Web Analytics

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

por essas ruas

entre os buracos do asfalto
entre os caminhões da oficina aqui da frente
nas telhas sujas do vizinho 
plantei.
poderia levar alguém pela mão, mostrando cada coisa que nasceu de mim nesse bairro
como um museu de memórias
diria: aqui morava a dona Mônica, a pessoa mais velha do mundo
que já era velha quando eu nasci
e que enfim morreu.
e essa rua do lado é pra reviver a cena de correr atrás do meu pai, completamente bêbado, eu só de calcinha e camiseta
e dizer vamos pra casa
e ouvir ele chorar não é minha casa, não é minha casa
só um pouco pra baixo de onde dei meu primeiro beijo, anos antes.
a grama na frente dessa empresa sentávamos e fumávamos maconha a noite inteira, falando coisas jovens, inventando absurdos 
e esse terreno baldio uma vez teve uma casa onde morava um homem que achávamos ser um lobisomem. 
minha rua tem esse cheiro por causa da fábrica de pão
o cachorro preto que ataca estranhos 
a carro do sonho, do churros, das frutas, dos ovos, o carro que troca tele-senas

não é minha casa, não é minha casa. 
e se eu pudesse botar no espaço
de uma forma doida, em algum lugar,
a temperatura dos seus olhos?
seria como andar em um lugar de folhas brancas enroscadas nos troncos 
em um escuro fechado, mata virgem
ouvindo tudo
e de repente o céu abrisse em lua (ninguém estava esperando)
e se isso quase fervesse meus ossos, seria como um olhar seu.