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quinta-feira, 27 de outubro de 2016

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Isabel tinha a boca mais suja que uma menina podia ter em 1982. Era engraçado porque ela era pequena e fofa, e quando xingava os homens da rua com aquelas palavras, ninguém nunca estava esperando. Ela falava as palavras de um jeito, que parecia que antes delas chegarem na boca dela tinham passado pelas tripas dos peixes mais podres e pelo cu de andarilhos imundos.
Mas era pequena e fofa e por isso era perdoada.
Isabel me acompanhava no processo de virar mulher. Era um caminho dolorido o desabrochar, os seios despontavam, o corpo arrendondava e o suor ficava doce. Nós olhávamos e apalpávamos o corpo da outra, tentando reconhecer-se na pele alheia, trocando figurinhas, minha bunda está maior, você tem espinhas nas costas, acho que tem um caroço no seu peito.
Um caroço no seu peito.
Ela continuou levando a vida como se não soubesse. Não contou pra mãe, não escreveu no diário.
Mas eu sabia. Mais que saber, sentia ainda nos dedos as protuberâncias.
Muito rápido ela ficou doente, e muito rápido a doença acabou. Pra mim, a doença dela foi uma coisa com muita fome, que se alimentava um pouco do corpo e um pouco do espírito, mas a fome não era saciada nunca e então começou a se alimentar de alegria, e ainda não era suficiente então comeu as palavras todas, isabel não xingava mais, mas a fome ainda existia então a doença comeu a juventude e comeu a vida e quando não tinha mais nada, foi procurar outra fonte. Enterraram o que sobrou de Isabel, os cabelos, os dentes, e uma pele que por dentro estava cheia de nada.
Coloquei pra deitar na terra um bilhete com todos os palavrões que aprendi com ela, pro caso dela precisar xingar deus.