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sexta-feira, 1 de abril de 2016

enquanto nós, o mundo, nos ocupávamos das coisas mais banais, vivendo com a certeza de que viveríamos também o dia seguinte, você dormia. dormia um sono afogado. um sono de quem não tem opção senão dormir. sono mal oxigenado por conta das células doentes cancerosas.
você dormia um sono induzido por remédios. sono que escolheram pra você, numa cama que fizeram pra você, num lugar onde só se diz tchau.
me ligaram, interrompendo minhas banalidades, pra que eu pudesse dizer tchau. cheguei tarde demais porque o remédio já atingira seu sistema nervoso e você já não ouvia mais nada.
voltei pra casa e te deixei dormir, com aquela respiração assombrosa de dificuldade existente.
dormi meu sono normal numa cama feita por mim, e sonhei.
ao meio dia em ponto, você morreu. eu estava no mercado e só pensava em morte. em como a vida pode seguir em ocupações cotidianas, como comprar comida, cozinhar sopas, limpar a menstruação que pingou no chão do banheiro, enquanto pessoas faziam a coisa mais extracotidiana que é morrer. pensei se não deveríamos fazer coisas loucas e estranhas o tempo todo pra que morrer não fosse tão estranho assim. pensei na velhice
em ficar sozinha
deixar pessoas sozinhas
na senilidade quase nada lúcida
e chorei porque não acredito na morte mas que ela existe, existe