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quinta-feira, 24 de novembro de 2016

conheço uma mulher muito velha. ela está numa idade da vida que não consegue falar mais nada sem filosofar. abre a boca careca de dentes e vai soltando umas palavras que são na verdade dúvidas, e divaga sobre viver e reclama das dores do corpo velho. acho que ela filosofa porque o olho já está enxergando lonjuras, que a gente aqui na juventude ainda não pode enxergar.
ontem ela me disse que quando deita na cama, fica pensando em quem já morreu. disse que fica assim "esse já foi, esse já foi, esse foi também, esse foi..." e que reclama com Deus porque isso não é pensamento bom de por na cabeça dela. aí disse assim "isso é coisa de vivo pensar?"
quando fico perto dela parece que o tempo passa bem devagar. acho que ela altera a forma do tempo passar sugando a velocidade dele pra dentro do corpo velho e gooordo. sugando pra dentro das tranças do cabelo comprido e branco, muito comprido e muito branco.
as vezes ela vai passear no quintal e leva muitos minutos pra chegar até lá. quando chega, conhece todas as ervas, arranca uns hortelãs que eu nem lembrava que estavam lá, e usa pra fazer um chá que não vai tomar.
se essa mulher não existisse, muitas coisas não existiriam. não existiriam os marionetes nem os atores feitos de carne. não existiria hortelã. sítios no interior não existiriam não.
só existiria a velocidade do tempo.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Grudado no asfalto reconheço o que um dia pode ter sido um pássaro. Uma das vidas que a velocidade esmagou. A cidade que devora tudo abre sua boca dura dentes de asfalto e mastiga o pássaro.
Transforma-o em mancha onde não se reconhece sangue ou ossos. Se ele tivesse mil vidas, teria morrido mil vezes.