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quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

O corte na sua garganta era profundo demais, e assustador o bastante. Mas eu achei que você sobreviveria por gratidão.
Suas asas estavam tortas e embebidas nesse teu sangue de pássaro. Mas eu achei que você lutaria. Que bicaria a vida implorando pra que ela ficasse no seu corpo, do mesmo modo que bicou meus dedos minutos antes. Meus dedos que sangravam.
Ritualizei tua morte com esse meu sangue de humano. Foi uma troca. E quando percebi que você morreria, quis te explicar que não faz mal morrer, que você faria mais alguns vôos cósmicos e depois desceria aqui pra terra de novo, com um corpo outro. Mas não pude te dizer nada porque você era pássaro, e eu era gente.
Não pude fazer mais que te assistir. Você fez um barulho com o corpinho contra o espaço, bicou o chão com força (tanta força que te/me machucou) e morreu. Ali as minhas vistas de mulher, passou. Vi seus olhos esfriarem e sua respiração parar. Nunca vi coisa tão parada quanto você, nem mesmo pedra. E nunca vi coisa tão fria, nem mesmo chuva. Te toquei pra ver se sentia a vida indo embora, pra ver se sua alma ainda estava ali. Só senti silêncio e matéria orgânica inerte.
Você permitiu que eu te visse morrer. Ninguém nunca esteve tão cru na minha frente.
Era passarinho.