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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Estar arte

Ela não tem nada a ver com beleza.
Arte só existe se existe necessidade. Não falo de vazios internos, vazios que necessitem ser preenchidos, ao contrário; falo de sobras. Tentamos externar o que transborda. ('Artista' é a palavra usada para designar quem transborda. Ninguém é artista, apenas está artista - enquanto durar o excesso.)
Arte, portanto, só existe em meio a mares. De tristeza, ou alegrias, ou neurotransmissores, ou fluídos corporais.
Arte não preenche nada, ela tira. Tira o que quer que você queira perder.
Arte é as sobras da alma de quem foi artista. Arte faz as essências dos que estão artistas conversarem.
A arte é triste quando sobra vazio. É uma sobra como qualquer outra, e o artista faz ela vazar no papel, no violão, na tela, no palco.
"Arte não responde nada, pergunta."

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Feito de vento.

Enquanto eu me esforço pra trazer eu mesma à tona, enquanto eu, sozinha, sempre fui água rasa, você vem e me faz quilômetros de um rio profundíssimo. Teu 'você' atrai meu 'eu'.
É que você tem espírito de vento; forte e delicado. É que você sim consegue me trazer à tona. (ou é que você consegue entrar nas reentrâncias de mim? não sei, não sei.)

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Carta sobre o estado atual das coisas

Tinta com água completam bem a pintura que nem comecei. Posso pingar com o pincel nos olhos da criatura (que nem comecei, a não ser na mente).
De pés gelados, geladíssimos. Não me atrevo a esquentá-los porque preciso sentir. (sentir o que? qualquer coisa)
Para ter certeza que estou viva preciso deles geladíssimos. Preciso dos olhos ardendo. A cabeça pulsando.
Preciso ser melhor e isso toma tempo e vontade.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

sábado, 10 de agosto de 2013

o dia que eu me deixei

Um dia acordei e não era mais artista. Não era.
Eu mexia meus dedos contra a luz e não era arte que saía deles. Respirei fundo e nenhuma sensibilidade veio. Peguei o lápis e ele pareceu áspero na minha mão, como se não mais me pertencesse. Dos meus poros não saíam mais poesia, só suor (frio). Meus pensamentos não eram mais coloridos.
Acho que a arte deixou meu corpo.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

ser estar ficar permanecer tornar-se continuar

Que alma cinza essa de quem julga os erros borbulhantes de português. De quem ignora a mensagem para caçar desvios da patética norma culta.
Não é aceitável que com tantas areias de praias azuis para serem exploradas pelos meus pés descalços,  eu ainda tenha que me preocupar com objetos indiretos. Que com tantas pedras grandes e quentes no mundo nas quais eu devo deitar nua, agentes passivos e predicados possam impedir minha expressão plena. Não é justo que existam em mim tantos erros bonitos para serem gritados ao mundo (!!!...) enquanto cultos senhores frios queiram calá-los. Me poupe da sua arte quadrada.

domingo, 7 de julho de 2013

não liga

tenho que ir agora. já sei o sobrenome da sua mãe, isso é um pouco demais. desculpa, meu bem, mas me apeguei. apego não é amor. só existe amor sem apego. não são complementares, não são causa ou consequência, ao contrário: são opostos.
te poupando do meu amor posso te fazer livre. você pode me amar, se quiser, mas não pode me querer. não vou saber ser tua, porque não sei ser de ninguém.
desculpa, mas, amor, não fui feita pra isso.
desculpa, tenho que ir agora, agora, agora. acho que vou pro oeste, mas a estrada é comprida então nem tente me achar. desculpa.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Chamaram de crise de pânico. Eu chamo de crise de existência.
Não tenho medo de nada, e mesmo assim, as vezes, mil sentimentos me inundam ao mesmo tempo, correndo forte igual água. (Odeio e amo a vida!!)
E aí, todos vazam... Choro é isso. É bagunça que não cabe mais em mim. Excesso de emoções contrárias, é meu corpo saturado.
Sempre que tentei explicar pra alguém meus acessos, fui terrivelmente mal-compreendida.
Então aceitei o diagnóstico. Crise de pânico. Gravíssimo.

sábado, 15 de junho de 2013

carta sobre o futuro atual estado das coisas

Acordei com o sol. Abri as cortinas e um alaranjado inundou o quarto igual água. Colhi folhinhas da horta e fiz um chá. Acendi os incensos que ele fez na noite anterior, de menta, chá-verde e maçã. A fumaça desenhava nos raios que entravam, e a madeira da casa parecia absorver todos os cheiros do ar.
Com o chá, torradas. (O pão eu que fiz.)
Fez calor, e depois do café andamos até a praia, acho que os cachorros queriam mais que nós entrar no mar. Voltamos antes da chuva pra consertar o telhado da casa na árvore, que o vento estragou terça, e queimei os ombros com o sol forte. Então coloquei folhas de aloe-vera no nosso banho.
Mais tarde achei um pézinho de morango embaixo daquela árvore grande, antiga, perto do rio. Amanhã vou pegar uma muda e plantar aqui em casa.
Uns passarinhos amarelos fizeram ninho em cima da casa semana passada. Eles nos acordam toda manhã desde então, e parece que gostam do violão e da gaita que tocamos toda tarde.
Colhi cenouras pra fazer um bolo e fiz um creme vegetal pra cobertura, enquanto ele nadava até a cachoeira. Ah, pra isso usei toda a lenha do fogão, e mais tarde fomos buscar mais.
A noite meditamos e agradecemos a Mãe Terra, e dormimos com as janelas abertas, pra entrar ar, a luz da lua, e o cheiro das flores que abrem à noite.

sábado, 8 de junho de 2013

queria te dizer muito mais

Você tem cheiro de novidade. Você é leve, positivo. Somos promissores.
Sei que prometemos não entrar no clichê mas me expresso por eles; te conhecer foi uma chance em um milhão.
Você é o por-vir.
Olha, tá bagunçado aqui em mim porque acabou de sair alguém, mas eu arrumo pra você entrar, só me dá algum tempo. Sei que você também tá bagunçado, mas a gente se conserta.
Ou se reconstrói. Juntos e sem pressa.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Deslizou a mão pela nuca até os ossos do peito. Subiu pela bochecha e segurou o queixo, enquanto as bocas dançavam juntas. Sussurrei sem separar os lábios dos dela; "As pessoas escrevem músicas sobre pessoas igual a você."

segunda-feira, 20 de maio de 2013

P A R E M D E E T I Q U E T A R A A R T E

Estudou por décadas para ter autoridade de julgar a arte alheia. Analisa o sentido das pinceladas e a ordem das notas musicais nas melodias. Racionalizam a arte. Classificam emoções que nem são suas em bonitas ou feias. Certas ou erradas, bem ou mal exprimidas.
Críticos mortos, cinzas! Vocês não vivem de poesia, só de erros gramaticais.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

pés de asfalto

Fazer parte dessa sujeira urbana diária quase me faz virar sujeira urbana também.
Parece que meus pés só são capazes de percorrer asfalto, porque meus pés viraram o próprio asfalto. Meus pulmões só funcionam com fumaça. Não escuto nada sem buzinas e sirenes bem altas. O céu? O céu é branco-doente. Qualquer cor diferente disso que eu eventualmente venha a enxergar, é coisa desses meus olhos patológicos. Nada no mundo é verde, só cinza.
E se você não for feito de plástico, por favor, não fale comigo.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Ela tanto, eu tão pouco. Ela barulho, eu calmaria.
Ela me quer muito, mas junto, todas.
Ela me puxa e me beija com urgência, aperta minha nuca, me morde. Depois me empurra, vira pro outro lado e dorme. Me conta mil histórias, mil noites e amores dos quais nenhum sou eu.
Me olha tão fundo que é difícil suportar não beijá-la. Me abre, me vira e mê lê, eu nem sei como interpretar seus olhos.
Viveu mil anos. E eu, engatinhando.
Sinto fome dela. Quero sua delicadeza e força e o cheiro do seu travesseiro em mim. E só por segundos, no escuro, que sejamos iguais.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

De outono a outono

Era como se estivesse vazia de alguma coisa da qual precisasse terrivelmente. Como quando se respira e os pulmões não enchem. Respirei voraz, rápida, faminta, esperando que isso suprisse minhas faltas.
Não sei se estava prestes a murchar ou dilacerar de dentro pra fora. Liguei para o primeiro número da agenda como quem liga para a ambulância; "me salvem ou vou explodir!"
Claustrofóbica de mim mesma, meu corpo não mais me continha. Precisava englobar o mundo, por isso expandi.
Não estava vazia. Estava cheia de ausência.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Era contador. Pediu a mão da mocinha filha, justamente, do dono do circo da cidade. Foi recusada. Esse tipo de gente não ama a vida, filha. Esse tipo de homem tem só dinheiro pra te dar.
Pois o contadorzinho virou trapezista e viveram felizes para sempre, pobrinhos.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Ciclo

Livros de biologia nos ensinam que comemos, vivemos, morremos, o solo absorve nossos nutrientes, nasce uma planta, outro ser vivo vem e a come, e vive, e morre.
Livros de biologia se encarregam disso, porque livros de poesia não o fazem (como deveriam.)
Nunca falam sobre quão poético e feliz é deitar um dia sobre o solo e ser devorada por ele, devagar, devagar... Ser uma parte, mesmo que pequena, da gigantesca pulsação estrondosa da vida. Se reciclar finalmente. Se reciclar, tudo que quisemos a vida toda, surpreendentemente acontece no final.
Tudo é cíclico, e como demoramos pra entender isso. Tanto que nem eu mesma, escrevendo, entendo. Um ciclo lindo, grande (gigante!), calmo, que leva um tempo arrastado como quem tem todo tempo do mundo.
Mundo?! Breve demais, igual tudo que conheço. Nunca serei hábil pra falar do ciclo do qual tanto me sinto parte, porque sou breve demais. E nunca poderei falar das imensas supernovas ou de galáxias porque simplesmente não as conheço.
E a maior das grandiosidades que conhecerei será ser abraçada, putrefata, pela terra na qual hoje piso descalça.
Devagar...

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Não estavam mais casados um com o outro.
Estavam casados com a memória do que um dia foi, e com a esperança de que um dia voltasse a ser o que era.
Serem o que eram.
Se amavam-se, não sei. Mas amavam sobretudo um ao outro do passado, os namorados que foram. Nunca tiveram filhos, como planejaram na juventude.
Assim que cresceram mergulharam numa rotina estática de trabalho. Rotina... Palavra que juraram odiar, na saúde e na doença, até que a morte os separasse. Porém adotaram-na pra definir os seus dias. Assistiram os antigos planos de namorados lentamente afundarem na vida, real que era. Na vida real não existe espaço pra planos bonitos.
E permanecem juntos, definhando lado a lado, na saúde e na doença, até que a morte os separasse -enfim-, amém.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Talvez você volte como todas as outras vezes. Sei que dessa vez parece diferente, mas talvez não seja. Mesmo com a demora anormal.
Já não mantenho mais a porta trancada enquanto tomo banho, porque espero que você chegue e brinque de novo com o meu cabelo molhado. Deixo aberta, toda aberta. A casa inteira. Eu também.
"Eu permaneço seu."