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sábado, 31 de dezembro de 2022

Nasci sentindo o gosto de todas as bocas que compartilham o ar do mundo.
Gritei com 7 bilhões de pulmões, gritei nascendo porque era a única reação possível.
Antes que eu tivesse um corpo, já existia no espaço o meu nome.
Carrego esse espaço ao meu redor. Não existe nada que não seja eu.
Os lugares e pessoas por onde passo vão sendo inseridos para que eu me constitua.
Cabe uma pessoa na minha boca
e várias no meu corpo, além de mim mesma.
Tenho pedaços que são pra sempre indigestos, dependurados, anulando meu corpo de carne.
Nasce meio a força uma outra criatura que se entende inteira, mesmo que abjeta.
De diferentes matérias como o lixo e os bichos do oceano.
Diferentes texturas,
diferentes pontos de fusão.
Um desmonte pelas mãos qualificadas do mundo,
precisas como mãos de um cirurgião sem dedos.

quinta-feira, 16 de julho de 2020

tentei deixar as coisas o máximo de tempo possível do jeito que você deixou
as comidas apodrecendo nas panelas
dentro de mim um animal sendo torturado
falei seu nome em voz alta pra ver se ainda cabia na minha boca e cabe tão bem
nada na casa me poupa porque tudo é coberto com a sua pele
a casa inteira rindo sua gargalhada
as cobertas na cama com o seu formato
você vindo de longe de qualquer lugar que eu olho
todas as canecas com a marca da sua boca
do lado de fora as plantas mudam devagar e você não sabe
o sol no seu quarto e você não sabe
o fio no meio do meu corpo gritando: ruptura
e todas as opções de continuar parecem esvaziadas, comer, tomar banho, dormir e estar acordada, estar acordada, estar acordada
porque eu sou inteira um galão de ácido
tudo para ninguém

quarta-feira, 24 de abril de 2019

viver como se voasse de asa deltas sobre a praia sabendo exatamente como não contradizer o vento
e por estar vendo de cima nunca pousar onde não é areia ensolarada 
tem a lua cheia em libra e mercúrio que entrou em áries,
na minha playlist só ouço voz de mulheres, graves agudas elétricas
ao meu redor orbita um espaço inteiro e também o tempo.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

olhos arregalados no escuro e o coração batendo
amanhã terei olheiras e caminharei por aí sem escondê-las, como se meu rosto fosse uma galeria de arte
exibindo olhos fissuras imensas emolduradas.
corpo vazio
futuro não-linear infinito também infinitamente bifurcado e
o passado
o passado
se arrasta atrás de mim como um vestido longo.